terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Sessão de debate sobre Alma, de Manuel Alegre



Parti de camioneta para Lisboa, já no fim de Setembro. Não sei se a manhã estava cinzenta e triste ou se foi assim que ela se gravou na minha memória. Como saber o que é e o que não é, o que se inventa e acrescenta e o que se corta e encurta? Senti um aperto na garganta ao passar a ponte. Olhei o rio, a nora, os salgueiros, os campos. Alma, dizia eu. como quando era pequeno e dizia mãe.

Fonte da imagem:
biblioteca.cm-estarreja.pt

Datas das sessões:

Terça-feira 12 de janeiro. 
Quarta-feira 13 de janeiro. 


Alma foi um dos livros eleitos como leitura comum pela rede de clubes de leitura Pega no Livro, que também trouxemos para a programação do nosso clube, Léria. A obra leva-nos à Águeda da infância do autor, numa evocação que nos aproxima com mestria daquele tempo naquela vila, ao pé do rio que leva o mesmo nome. Que a escolha de Alma foi acertada, demonstra-o, não apenas a pontuação final atribuída (7,66), mas também o aceso debate a que deu lugar. Gonçalo Pena, o pai do protagonista, foi com certeza a figura mais controversa. Monárquico e liberal a um tempo, não estranha que esta personagem desse para muita conversa. Houve mesmo que achasse nele traços de um rol feminino na própria família, e aqui a conversa na nossa EOI começou a ficar mesmo interessante.

Também se falou, como não podia ser de outra forma, da ditadura salazarista, que o narrador de Alma condena sem qualquer tipo de ambiguidade, e coloca ao lado de outras ditaduras fascistas. Em Alma assistimos ao desenrolar do regime desde as rotinas e uma aparência de certa normalidade que ele vai criando, mas que as saudações nazis na escola, perseguições a dissidentes, prisões e execuções se encarregam de desmentir. Há também nessa vertente um olhar para fora, designadamente para a Segunda Grande Guerra, em cujo fim os adversários do fascismo tinham colocado algumas esperanças, que logo se mostraram ilusórias:

Mas aquela tensão, aquele medo, aquela espera eram uma outra forma de guerra, frase que não sei se é minha, se do narrador, se de alguém que então a disse. Só sei que é verdadeira. A nossa paz não tinha sentido. A nossa guerra era outra. Parecem alemães, tinha dito o Nicolau. De certo modo, Aurélio Silveira falava no Tarrafal: os outros campos acabaram, o nosso continua. Adelaide deitava as cartas e via nos seus sonhos um barco negro pela estrada fora. Tarrafal ou Peniche, interpretava a minha mãe.

E ainda haveria muito mais para contar de Alma – os sons de aves que sobrevoam todo o livro, o barulhinho bom do café da vila, os banhos ao pé da nora no rio, e um magote de personagens memoráveis, como a tia Adelaide –, mas já sabem como é sempre apressada a escrita nos blogues.

Joseph

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